A Gravidade dos pecados dos Maus sacerdotes - S. Afonso de Ligório.


Texto tirado do livro A SELVA do doutor da Igreja: Santo Afonso Maria de Ligório.

I - Gravidade dos pecados do padre


"É extremamente grave o pecado do padre, porque peca com pleno conhecimento: sabem bem o mal que faz. Ensina Santo Tomás que o pecado dos fiéis é mais grave que o dos infiéis, precisamente porque os fiéis conhecem melhor a verdade; ora, as luzes dum simples fiel são bem inferiores às de um sacerdote. 

O padre é tão instruído na lei de Deus, que a ensina aos outros: Porque os lábios do sacerdote hão de guardar a ciência, e é da sua boca que os outros aprenderão a lei. É muito grave o pecado de quem conhece a lei, porque de nenhum modo pode desculpar-se com a ignorância. Pecam os pobres seculares, mas no meio das trevas do mundo, afastados dos sacramentos, pouco instruídos nas coisas espirituais, envolvidos nos negócios do século. Como apenas têm um fraco conhecimento de Deus, não vêem bem o mal que fazem, pecando: sagittant in obscuro, — arremessam as suas flechas na obscuridade como diz Davi. 

Os padres ao contrário estão cheios de luz, pois eles mesmo são os luzeiros destinados a alumiar os outros: Vós sois o luz do mundo.

Sem dúvida, devem os padres estar muito instruídos, depois de terem lido tantos livros, ouvido tantos sermões, feito tantas meditações e recebido dos seus superiores tantos avisos! Numa palavra, foi-lhes dado conhecer a fundo os divinos mistérios.

Sabem pois perfeitamente quanto Deus merece ser servido e amado, conhecem a malícia do pecado mortal, que é um inimigo tão contrário a Deus que, se Deus pudesse ser aniquilado, o seria por um só pecado mortal, como ensina São Bernardo: “O pecado tende a destruir a divina bondade”; e noutro lugar: “O pecado, quanto lhe é possível, aniquila a Deus”. Diz o autor da Obra imperfeita que o pecador, tanto quanto depende da sua vontade, faz morrer Deus”. De fato, ajunta o Pe. Medina, o pecado mortal tanto desonra e desagrada a Deus que, se Deus fosse susceptível de tristeza, o pecado o faria morrer de pura dor. Tudo isso sabe o padre muito bem, e conhece por igual a obrigação em que está, como padre, cumulado de benefícios de Deus, de o servir e amar. Assim, diz São Gregório, quanto melhor vê a enormidade da injúria que faz a Deus, pecando, mais grave é o seu pecado.

Todo o pecado da parte do padre é um pecado de malícia, semelhante ao dos anjos, que pecaram na presença da luz. É ele o anjo do Senhor, diz São Bernardo, falando do padre, e de certo modo peca no Céu, pecando no estado eclesiástico. Peca no meio da luz, o que faz que o seu pecado, como fica dito, seja um pecado de malícia: não pode pois alegar ignorância, porque sabe que mal é o pecado mortal; também não pode alegar fraqueza, porque conhece os recursos para se tornar forte, se quiser valer-se deles. Se o não quer, a culpa é sua: Não quis entender para praticar o bem 245. Pecado de malícia, diz Santa Teresa, é aquele a que o pecador se decide cientemente; e afirma noutro lugar que todo o pecado de malícia é pecado contra o Espírito Santo. Ora, da boca do Senhor sabemos que o pecado contra o Espírito Santo não será perdoado, nem na vida presente, nem na futura; quer dizer, um tal pecado será de mui difícil perdão, por causa da cegueira que o pecado de malícia traz consigo.

Pregado na cruz, rogou o nosso Salvador pelos seus perseguidores: Pai, perdoai-lhes, porque não sabem o que fazem . Mas esta oração não aproveitou para os maus padres; foi antes a sua sentença de condenação, porque os padres sabem o que fazem. Nas suas lamentações, exclamava Jeremias: Como se embaciou o ouro, como perdeu o seu brilho?. Esse ouro embaciado é precisamente, diz o cardeal Hugues, o sacerdote pecador, que devia luzir com todo o brilho do amor divino, mas pelo pecado se tornou escuro, horrível, objeto de horror para o próprio inferno, e mais odioso aos olhos de Deus que todos os outros pecadores. Diz São João Crisóstomo que nunca Deus é tão ofendido como quando os que o ultrajam estão revestidos da dignidade sacerdotal.

O que agrava a malícia do pecado no padre é a ingratidão de que se torna culpado para com Deus, que o elevou a funções tão sublimes. Santo Tomás ensina que a enormidade do pecado aumenta à medida da ingratidão de quem o comete. Nenhumas ofensas, diz São Basílio, nos ferem tanto, como as que nos são feitas por nossos amigos e parentes .

Os padres são chamados por São Cirilo — Dei intimi familiares. A que dignidade mais alta poderia Deus erguer a um homem, do que fazê-lo sacerdote?

Passai revista a todas as honras e dignidades, diz Santo Efrém, e vereis que não há nenhuma que não seja eclipsada pelo sacerdócio. Que honra maior, que nobreza mais assinalada, que ser constituído vigário de Jesus Cristo, seu coadjutor, santificador das almas e ministro dos sacramentos?

Dispensadores regiae domus: é assim que São Próspero chama aos padres.

Escolheu o Senhor o padre do meio de tantos outros homens, para ser ministro seu, e para lhe oferecer em sacrifício o seu próprio Filho. Escolheu-o entre todos os homens viadores para oferecer o sacrifício a Deus. 

Deu-lhe poder sobre o corpo de Jesus Cristo; depôs nas suas mãos as chaves do Paraíso; elevou-o acima de todos os reis da terra e de todos os anjos do Céu; numa palavra, fê-lo um Deus na terra.

Que mais poderia eu fazer à minha vinha que não tenha feito?Não parece que estas palavras são dirigidas unicamente ao padre? Depois disso, que monstruosa ingratidão, quando esse padre, tão amado de Deus, o ofende na sua própria casa, como o mesmo Deus se lamenta pela boca de Jeremias. A este pensamento, exclama São Bernardo com gemidos: Ai, Senhor, os que têm a vanguarda na vossa Igreja são os primeiros a perseguir-vos!

(...) 

II - Castigo dos pecados do padre


Consideremos agora o castigo, que tem de ser proporcionado à gravidade do seu pecado. São João Crisóstomo tem por condenado o padre que no tempo do seu sacerdócio comete um só pecado mortal: Se pecardes como particular, será menor o vosso castigo; se pecais no sacerdócio, estais perdido. São em verdade terríveis as ameaças, que o Senhor profere pela boca de Jeremias contra os padres que pecam: Estão manchados o profeta e o sacerdote, e eu encontrei na minha casa a iniquidade deles, diz o Senhor.

Por isso o seu caminho será como um atalho escorregadio e coberto de trevas; hão de impeli-los e cairão. Que esperança de vida poderíeis dar a quem caminhasse à borda dum precipício, em terreno escorregadio e às escuras, sem ver onde punha os pés, e ao mesmo tempo impelido fortemente para o abismo por seus inimigos? Tal é o estado desgraçado a que se encontra reduzido o padre que comete um pecado mortal.

Lubricum in tenebris. Pecando, o padre perde a luz e cai nas trevas. Mais lhes valera, assegura São Pedro, não ter conhecido o caminho da justiça, do que voltar atrás depois de o haver conhecido. Ó, sem dúvida, mais valia para um padre que peca ser antes um camponês ignorante, que nunca tivesse estudado coisa alguma; porque depois de tantos conhecimentos adquiridos, — pelos livros que leu, pelos oradores sagrados que ouviu, pelos diretores que teve — depois de tantas luzes recebidas de Deus, o desgraçado calca aos pés todas as graças, pecando, e merece que as luzes recebidas só sirvam para o tornar mais cego e impenitente. A maior ciência, diz São Crisóstomo, dá lugar a mais severo castigo; se o pastor cometer os mesmos pecados que as suas ovelhas, não receberá o mesmo castigo, mas uma pena muito mais dura. Um padre cometerá o mesmo pecado que os seculares; mas sofrerá um castigo muito maior, permanecerá mais profundamente cego que todos os outros; será punido conforme o anúncio do Profeta: Que vendo não o vejam, e ouvindo não compreendam!

É o que a experiência deixa ver, diz o autor da Obra imperfeita: Um secular, depois de pecar, facilmente se arrepende. Se assiste a uma missão, se ouve um sermão enérgico sobre alguma verdade eterna, — malícia do pecado, certeza da morte, rigor do juízo de Deus, penas do inferno, entra facilmente em si e volta-se para Deus; porque estas verdades, como coisas novas, tocam-no e penetram-no de temor. Mas quando um padre há calçado aos pés a graça de Deus, com todas as luzes e conhecimentos recebidos, — que impressão podem fazer ainda nele as verdades eternas e as ameaças das divinas Escrituras? Tudo quanto encerra a Escritura, continua o mesmo autor, é para ele uma coisa sediça de pouco valor; porque as coisas mais terríveis que lá se encontram, por muito lidas, já lhe não fazem impressão. Donde conclui que nada mais impossível que a emenda de quem sabe tudo e peca.

Quanto maior é a dignidade dos padres, diz São Jerônimo, tanto maior é a sua ruína, se num tal estado chegam a abandonar a Deus. Quanto mais alto é o posto em que Deus os colocou, diz São Bernardo, tanto mais funesta será a sua queda. Quando se cai em plano, diz Santo Ambrósio, raro se experimenta grande mal; mas cair de alto não é só cair, é precipitar-se, e a queda será mortal.

Nós os padres regozijamo-nos, diz São Jerônimo, por nos vermos erguidos a tão alta dignidade; mas seja igual o nosso temor de cair. Parece que é aos padres que Deus fala, quando diz pela boca de Ezequiel: Coloquei-vos sobre o monte santo de Deus... e vós pecastes; e eu vos expulsei do monte de Deus, e vos entreguei à ruína. Vós que sois padres, diz o Senhor, eu vos estabeleci sobre a montanha santa, para serdes os faróis do universo: Sois vós a luz do mundo. Uma cidade assente no cimo duma montanha não pode estar escondida.

Tem pois razão São Lourenço Justiniano em dizer que quanto maior é graça concedida por Deus aos padres, tanto mais digno de castigo é o seu pecado, e quanto mais alto o seu estado, mais mortal a sua queda. Quem cai num rio, diz Pedro de Blois, mergulha tanto mais fundo, quanto de mais alto tiver caído.

Compreende bem, ó padre: Deus, elevando-te ao sacerdócio, ergueu-te até ao Céu, e fez de ti, não mais um homem da terra, mas um homem celeste, pensa pois quanto te será funesta uma queda, segundo o aviso de São Pedro Crisólogo. A tua queda, diz São Bernardo, será semelhante à do raio que se precipita com impetuosidade. Quer dizer que a tua perda será irreparável. 

Assim, ó desgraçado, cairá sobre ti a ameaça que o Senhor lançou sobre Cafarnaum: E tu, ó Cafarnaum, erguida até ao Céu, serás abatida até ao inferno.

Um padre que peca merece tal castigo, por causa da sua ingratidão para com Deus, a quem deve um reconhecimento tanto maior quanto recebeu dele os maiores benefícios, como nota São Gregório. Merece o ingrato ser privado de todos os bens que recebera, como observa um sábio autor.

Jesus Cristo disse: Ao que já possui, dar-se-á, e ele estará na abundância; mas o que nada possui, ver-se-á despojado até do que parecia ter. Quem é grato para com Deus obterá maior abundância de graças; mas um padre que, depois de tantas luzes, depois de tantas comunhões, volta as costas a Deus, e desprezando todos os favores recebidos, renuncia à sua graça, — este padre será com justiça privado de tudo. É o Senhor liberal com todas as suas criaturas, mas nunca com os ingratos. A ingratidão, diz São Bernardo, faz estancar a fonte da bondade divina.

Por isso São Jerônimo pôde dizer: Nenhuma besta há no mundo mais feroz que um mau padre, porque esse não se quer deixar corrigir. E o autor da Obra imperfeita: Os leigos facilmente se emendam, mas um mau eclesiástico é incorrigível. Segundo São Damião, é de preferência aos padres pecadores que se aplicam estas palavras do Apóstolo: Porque os que foram alumiados, os que saborearam o dom celeste, e receberam o Espírito Santo... depois caíram, é impossível que se renovem pela penitência. 

Com efeito, quem mais que o padre recebeu de Deus graças abundantes? Quem mais do que ele gozou dos favores do Céu e participou dos dons do Espírito Santo? Segundo Santo Tomás, permaneceram obstinados no pecado os anjos rebeldes, porque pecaram em face da luz; é assim, escreve São Bernardo, que o padre será tratado por Deus: tornado anjo do Senhor, ou há de ser eleito como anjo, ou réprobo como o anjo. 

Eis o que o Senhor revelou a Santa Brígida: Olho os pagãos e os judeus, mas não vejo ninguém pior que os padres: o seu pecado é como o que precipitou Lúcifer. E notemos aqui o que diz Inocêncio III: Muitas coisas que nos leigos são pecados veniais, nos eclesiásticos são mortais.

É ainda aos padres que se aplicam estas palavras de São Paulo: Uma terra, que, depois de muito regada pelas chuvas, só produz espinhos e silvas, está reprovada e sujeita a maldição: acabará por ser entregue ao fogo.

Que chuva de graças não recebe de Deus continuamente o padre? E contudo, em vez de frutos, só produz silvas e espinhos: Desgraçado! Está prestes a ser reprovado e a receber a maldição final, para ir, depois de tantas graças, que Deus lhe prodigalizou, arder no fogo do inferno! — Mas, que temor pode ter ainda do fogo do inferno um padre, que voltou as costas a Deus? Os padres que pecam perdem a luz, como levamos dito, e perdem também o temor de Deus. É o Senhor quem no-lo declara: Se eu sou o Senhor, onde está o meu temor, vos diz o Senhor, a vós, ó padres, que desprezais o meu nome?. Segundo São Bernardo, os sacerdotes, caindo da altura a que se acham elevados, de tal modo se afundam na malícia, que perdem a lembrança de Deus, e tornam-se surdos a todas as ameaças da justiça divina, a tal ponto que nem o perigo da sua condenação os espanta. Mas que haverá nisso de admirável? O padre, pecando, cai no fundo do abismo, onde fica privada da luz e despreza tudo. Acontece então o que diz o Sábio: Caído no fundo do abismo do pecado, o ímpio despreza. Este ímpio é o padre que peca por malícia; um só pecado mortal o precipita no fundo das misérias, em que cegamente permanece mergulhado. Nesse estado despreza tudo: castigos, advertências, presença de Jesus Cristo, a quem toca no altar. Não cora de se tornar pior que o traidor Judas, como o próprio Senhor um dia disse a Santa Brígida: Tais padres já não são sacerdotes meus, mas verdadeiros traidores. Sim, tais padres são verdadeiros traidores, porque abusam da celebração da Missa, para ultrajarem mais cruelmente a Jesus Cristo pelo sacrílego!

E qual será, depois de tudo, o triste fim do padre mau? Ei-lo: Praticou a iniquidade na terra dos santos, não verá a glória do Senhor. Será, numa palavra, o abandono de Deus, e depois o inferno. — Mas, dirá alguém, essa linguagem é demasiado aterradora: quereis lançar-nos da desesperação? — Respondo como Santo Agostinho: Se vos espanto, “é que eu próprio estou espantado” . — Assim, dirá um padre, que tiver tido a desgraça de ofender a Deus no sacerdócio, não haverá para mim esperança de perdão? — Ó, não posso afirmar isso; haverá esperanças, desde que haja arrependimento do mal cometido. Que esse padre seja pois extremamente reconhecido para com o Senhor, se ainda se vê ajudado da graça; mas é preciso que se apresse a dar-se a Deus, enquanto o chama, conforme o aviso de Santo Agostinho:

“Abramos os ouvidos à voz de Deus, enquanto nos chama, com receio de que se recuse a ouvir-nos, quando estiver prestes a julgar-nos”. (...) 

LIVRO A SELVA - SANTO AFONSO MARIA DE LIGÓRIO - DOUTOR DA IGREJA.

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